Descida Filipe Alvarenga
LOCALIZAÇÃO: Atílio Vivacqua, Espírito Santo
1ª INVESTIDA: 03 e 04 de Julho de 1999
2ª INVESTIDA: 26 e 27 de Agosto de 2000
No dia 18 de Março de 1988, após quatro expedições ao Espírito Santo, foi concluída a conquista da Chaminé UNICERJ, que até hoje é uma das escaladas mais belas e desafiadoras que já realizamos.
Na ocasião, ao chegarmos ao cume, Mario, Arnaud e eu bivacamos sob temporal assustador, que mal começava. Não havia como descer: As cordas simplesmente embaraçaram completamente na chaminé, com o vento forte que trouxe a tempestade elétrica assustadora. Sobrevivemos.
Filipe Alvarenga fez parte da equipe de montanhistas que participou dessa última investida, que também contou com a presença de Stefan Jorda e Marcelo Chagas. Eles, contudo, não conseguiram chegar ao cume. Mesmo de jumars, teria sido muito perigoso subir com aquele tempo adverso. No dia seguinte, quando descemos do cume, Mario Arnaud e eu tivemos que adiar o sonho de conquistar uma via de descida ligando a Agulha da Chaminé UNICERJ à Pedra Mãe.
Este sonho já existia desde 1984, quando a conquista foi iniciada. Do mesmo modo que a Chaminé UNICERJ, a Descida Diretíssima constituía um ambicioso projeto. No entanto, ao contrário da via de subida, sua concretização foi sendo adiada sucessivamente, pelos mais diversos motivos. Agora, passados 16 anos, conseguimos realizar mais esta conquista.
Em 1915, o poeta Fernando Pessoa escreveu algo que talvez ajude a compreender as motivações dos montanhistas:
"Porque as raízes podem estar debaixo da terra
Mas as flores florescem ao ar livre e à vista
Tem que ser assim por força.
Nada o pode impedir"
Nesses anos todos, desde que conquistamos a Chaminé UNICERJ, não deixamos de pensar nas possibilidades magistrais oferecidas pelo formato singular das montanhas na região de Atílio Vivacqua.
Contudo, antes de pensar em conquistar a Descida por fora da Chaminé, ligando a Agulha à Pedra Mãe, tratamos de voltar à Chaminé UNICERJ para regrampear a fantástica escalada que tivemos a ventura de fazer. Esta via, com suas fissuras perfeitas, negativos vertiginosos e chaminés magníficas, precisava ganhar novos grampos para que pudesse vir a ser realizada com segurança. Graças às regrampeações realizadas, hoje a Chaminé UNICERJ continua sendo uma escalada muito difícil (mais difícil que a Chaminé Gallotti, por exemplo) mas, ao mesmo tempo, é uma escalada de alto padrão de segurança (mais segura que a Gallotti e que a Stop, só para citar as duas Chaminés do Pão de Açúcar). Isso mostra que dificuldade não precisa estar relacionada com perigo e que uma escalada pode ser extremamente difícil e a ao mesmo tempo ser segura. Como diz Christian Costa, Guia Escalador formado em 1990 e Sócio Fundador do nosso Clube: "Não devemos escalar para provar nada a ninguém. O que a gente quer é ir à montanha com os nossos amigos e poder voltar lá muitas outras vezes, como uma atividade saudável e plena de beleza". Christian não está sozinho. Este pensamento não é só dele. Todos nós da UNICERJ pensamos assim. E continuamos semeando na consciência de todos os montanhistas idéias de humildade, companheirismo e respeito à natureza.
Assim, o simples gesto de marcar uma excursão e fazer uma escalada pode ser algo que ultrapasse um mero exercício físico, podendo propiciar a tão desejada comunhão com a natureza, bem como, emoções autênticas e muita alegria compartilhada. O fato de uma escalada apresentar um bom padrão de grampeação pode proporcionar segurança a todos os escaladores que aceitarem o desafio da via. Ao contrário do que pensam os que só dão valor aos gestos temerários, os grampos não tiram a grandeza do montanhismo.
Nós da UNICERJ nos orgulhamos de nossas conquistas. E ficamos muito felizes ao voltar nas escaladas e descidas que tivemos a ventura de conquistar, sabendo que as mesmas vias estão sendo freqüentadas assiduamente por muitos outros montanhistas.
Antes de fundar o nosso Clube, publicamos "Três Cartas Abertas aos Montanhistas do Rio de Janeiro e à Sociedade". Logo na Primeira Carta afirmamos: "Não nos seduz apenas a fugaz glória de conquistadores". Por isso voltamos para regrampear as escaladas, trabalho árduo, que demanda esforço sistemático e determinação.
Assim sendo, em maio de 1988, lá estávamos de novo em Atílio Vivacqua: Mario Arnaud, Filipe Alvarenga e Santa Cruz, para regrampear a Chaminé UNICERJ. E o infatigável trabalho prosseguiu em outras ocasiões que nos levaram em 1993 a conquistar a Descida Jacy Quintas (Borges, Willy e Santa Cruz) e em 1995 a Descida Valdecir Bento (Borges, Willy, Gustavo, Christian, Valdecir e Santa Cruz). Estas duas descidas belíssimas, com seus negativos assustadores, vieram a agilizar os procedimentos de descida da Chaminé UNICERJ. Contudo o tempo ia passando e a grande descida por fora, ligando a Agulha à Pedra Mãe ia sendo adiada ano após ano. Mas o sonho estava lá e continuava mais vivo do que nunca, como na música "O homem de la mancha":
"Sonhar, mas um sonho impossível
Lutar, quando é fácil ceder"
O tempo foi passando e fomos acumulando entusiasmo para fazer a descida que hoje esta lá em Atílio Vivacqua, bastando para isso chegar ao cume e sentir o 'frisson' arrepiante dos rappels que chega a confundir até mesmo o escalador mais experiente, pois se começa a descer por uma montanha e prossegue-se pela outra ao lado, até chegar na base comum das duas montanhas lá no fundo do desfiladeiro. Contudo, difícil mesmo é vencer o vazio inter-montanhas em que, por breves instantes, perde-se todos os referenciais de direção. Lá não há quem não se pergunte: "O que eu estou fazendo aqui?" (Pergunta esta que poderia ser vista como uma metáfora da própria existência).
"O que estou fazendo aqui no meio desse abismo?" Aí descobrimos que não queríamos estar em nenhum outro local do universo e que é uma honra ter companheiros que aceitam compartilhar o que há de mais nobre e sublime na existência.
A primeira investida em conquista na Des. Filipe Alvarenga foi realizada efetivamente dia 04 de Julho de 1999. No dia anterior havíamos escalado a Cha. UNICERJ numa memorável excursão da Escola de Guias. Nessa primeira investida, batemos os grampos dos dois primeiros rappels que foram realizados, demonstrando que a tão sonhada descida era não apenas possível como também perfeitamente viável. Mas precisava ser conquistada para que pudesse vir a se tornar a opção preferencial de descida a partir do cume do Morro das Andorinhas. Na primeira investida não foram "queimadas as caravelas" e nós, mais uma vez, retornamos do cume por dentro da Cha. UNICERJ com a certeza que tínhamos tudo para triunfar na segunda investida.
Nossa vontade era retornar no fim de semana seguinte ao Espírito Santo para concluir a conquista dessa descida. Contudo, precisávamos dedicar também o nosso tempo de caminhantes e escaladores a outras montanhas, inclusive no Espírito Santo, onde temos realizado muitas excursões e várias conquistas.
Assim, 13 meses após a primeira investida, realizamos a excursão que veio coroar todos os esforços anteriores. Esta segunda investida, realizada nos dias 26 e 27 de Agosto de 2000, foi planejada nos mínimos detalhes e contou com a presença do nosso companheiro Edilso Debarba, de Rio Novo do Sul (ES) bem como Borges, Valdecir e Santa Cruz que já tinham participado da primeira investida.
Foram dois dias intensos, de muito trabalho nas montanhas. No final do segundo dia o esforço infatigável compensou: nós havíamos finalmente conquistado a grande descida tão sonhada. São cinco rappels muito bonitos, sendo que a quarta seqüência de descidas é a que liga a Agulha à Pedra Mãe, constituindo o rappel chave, de arrepiar a medula, onde a emoção beira o paroxismo. Como esperávamos, apesar de extremamente desafiadora, constitui uma via de elevada segurança, desde que se tenha a experiência necessária, se disponha do equipamento adequado e se tome os cuidados devidos.
Vale ressaltar que os pontos de parada contam com grampos duplos e até mesmo um grampo triplo, no rappel decisivo. Não foi preciosismo da nossa parte. É bem verdade que o medo é humano e todos nós conquistadores, somos vez por outra assaltados por um medo ancestral, que não dá nas pedras nem nas plantas, pois é uma sensação tipicamente humana. Contudo o grampo não foi triplicado por esse motivo e sim para facilitar o recolhimento das cordas para que sejam montadas no quinto e último rappel, já na Pedra Mãe.
Escolhemos o nome Filipe Alvarenga como uma homenagem a um amigo de longa data, um leal companheiro de muitas caminhadas, escaladas e conquistas, um Guia que aceitou o desafio de fundar a UNICERJ com o objetivo de manter a chama do montanhismo amador e não competitivo.
A inauguração já está marcada para junho de 2001, quando, na melhor época do ano para se escalar no Espírito Santo, pretendemos voltar à Cha. UNICERJ. O Guia da excursão já foi escolhido: é o próprio Filipe, que poderá voltar à Cha. UNICERJ, que ele ajudou a conquistar, e de quebra... conhecer a sua fantástica e vertiginosa descida, um presente dos seus amigos que aceitaram o desafio da montanha.
Santa Cruz
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