Busca
 
 

Fale conosco! fale conosco!

Calendário



« DESTAQUES »

Formatura do CBM/2023

NOTA DE REPÚDIO

Carta ao PARNASO

CURSOS

As Descidas Vertiginosas do Dedo de Deus (2a Edição)

Carta Aberta aos Montanhistas do Rio de Janeiro e à Sociedade

Diretoria e Corpo de Guias

Equipamento individual básico

Recomendações aos Novos Sócios

2ª Carta Aberta aos Montanhistas do Rio de Janeiro e à Sociedade



Sábado, 4 de maio de 2024

Você está em: BoletinsBoletim n°11 - Dez. 2006
Boletim n°11 - Dez. 2006
Quito, Ambato! Ambato, Quito!*‹‹ anterior 
|
 próxima ››Biblioteca Daniel Alvarenga

Despedidas

O ano de 2006 foi marcado pela perda de quatro pessoas muito próximas do convívio da Unicerj e que direta ou indiretamente ajudaram a construir o Clube que hoje conhecemos. Partiram Zé Luiz, sócio assíduo e entusiasmado desde 2003; Nettinho, que participou do primeiro CBM e iniciou a segunda ETGE da Unicerj; Gilda, mãe do Guia Ricardo Borges, homenageada em 1995, com uma desafiadora via no Dedo de Deus, e Terezinha, mãe do Guia Marcos Eboli, no trágico acidente envolvendo o avião da Gol e um jato Legacy. Estas partidas abalaram profundamente todos os sócios do nosso Clube, gerando as belas manifestações que vemos a seguir:


Um novo dia

Na tarde do dia 4 de junho de 2006, domingo, véspera do meu aniversário e do Dia Mundial do Meio Ambiente, eu me preparava para voltar para casa, após ter permanecido embarcado em uma plataforma da Petrobras durante 12 dias seguidos. Já estava me sentindo bastante ansioso e desconcentrado, quando no finzinho da noite, recebi a terrível notícia da morte do nosso companheiro Rodrigo Netto, sócio da Unicerj e músico do grupo Detonautas, assassinado numa tentativa de assalto.

Lembro-me dele lá na UFRJ, quando estudava engenharia eletrônica como tantos outros colegas que vieram a se associar à Unicerj a convite do nosso professor Osvaldo (Santa Cruz). Lembreime também do irmão do Filipe, Daniel Alvarenga, que também morreu estupidamente anos atrás, atropelado na calçada. O resultado dessa combinação (pré-desembarque + tragédias) fez com que eu não conseguisse dormir.

Levantei cedo e fiquei aguardando o helicóptero, que surpreendentemente chegou no horário marcado. Chegando ao aeroporto de Macaé, embarquei quase que imediatamente em um avião para o Rio. Quando o aviso para apertar os cintos apagou, tentei ler o livro Quarup, de Antônio Callado. Mas antes que pudesse abri-lo, a imagem inconfundível dos Três Picos de Friburgo apareceu na janela. Lembrei-me do Netto, que alcançou o cume do Pico Maior, a mais alta montanha que se pode ver da Baia de Guanabara, durante a ETGE/1999. Vieram-me lembranças de tantos momentos maravilhosos que passei naquelas montanhas com os companheiros unicerjenses.

Capacete, Pico Maior, Pico Menor, Pico Médio.Logo depois o Caledônia destacou-se na paisagem. Alguns segundos depois reconheci os Dois Bicos, o Morro dos Cabritos e o Morro das Antas, no Vale dos Frades, os quais fui seguindo com o olhar. Quando olhei novamente para baixo, estávamos bem ao lado do Alto Mourão, com o Paredão Osvaldo Pereira iluminado pelos raios solares. O Morro do Telégrafo, o Tucum, o Morro das Andorinhas me mostrando os paredões Lucia Ladeira e Leila Diniz. O avião chegou bem perto do Costão do Pão de Açúcar, fez a curva no Paredão Santos Dumont, deu um rasante na Íbis e finalmente pousou de frente para a Serra dos Órgãos.

Escalavrado, Dedo de Nossa Senhora (onde fica a Descida Daniel Alvarenga, mais uma homenagem unicerjense), Dedo de Deus, Cabeça de Peixe, São João, São Pedro, Sino, Travessia... pensei mais uma vez no companheiro Rodrigo Netto e o sorriso voltou ao meu rosto.

Bonolo


Lealdade e Paixão

Todos nós que tivemos a oportunidade de conviver com Rodrigo Netto ficamos muito tristes com o que aconteceu nesse último domingo,  quando ele foi mais uma vítima da barbárie e truculência desse tempo que nos foi dado viver. Fui seu professor no curso de engenharia eletrônica da UFRJ, onde como tantos outros alunos, deve ter ouvido, não poucas vezes, descrições minhas sobre o fascínio do montanhismo amador e não competitivo, capaz de iluminar as nossas vidas, pelo contato direto com a natureza no seu estado mais indomável e pelas amizades que podemos construir e preservar por muitos anos enquanto vivermos.

Nettinho, como também era chamado pelos seus colegas de turma, ingressou na Unicerj assim que o Clube foi fundado e fez o primeiro CBM, que teve início em Abril de 1998. Foram realizadas memoráveis excursões, incluindo um acampamento no Parque Nacional do Itatiaia e a Travessia Petrópolis-Teresópolis.

No dia que o Clube completou o primeiro aniversário, em 17 de abril de 1999, realizamos uma grande festa em Miraflores para comemorar a conclusão do primeiro CBM e da primeira ETGE, sendo que Nettinho foi um dos formandos do CBM. Seu desempenho foi tão bom que ele foi convidado e aceitou cursar a segunda Escola de Guias organizada pela Unicerj.

Teve então oportunidade de participar de excursões bastante exigentes, como ocorre em todas as Escolas de Guias que mereçam assim ser denominadas. Esteve no Espirito Santo em uma tentativa frustrada de escalar o Pico da Freira, quando, paradoxalmente, o fracasso pode ensinar mais do que mil sucessos, pois nos dá a verdadeira dimensão da nossa frágil condição humana e da própria efemeridade de vida, frente ao imponderável e às forças titânicas da natureza. Naquela ocasião, bivacando no colo entre os Picos do Frade e da Freira, após termos feito a vertiginosa Descida Sérgio Carvalho, com seus negativos de cortar a respiração, transportando mochilas cargueiras superpesadas, fomos colhidos por um temporal que nos deixou completemente a mercê dos elementos, impotentes diantes da fúria cataclismática da tempestade, sem poder sair de lá até que o dia amanhecesse.

Lembro-me, perfeitamente, que Nettinho esperava que eu ou o Leo, os Guias da excursão, encontrássemos um jeito de tirar todo o grupo dali, como se nós pudéssemos. Mas nós somos apenas seres humanos e não semi-deuses.

Tínhamos que esperar amanhecer, por mais que aquela situação fosse miserável. Mais do que saber o que fazer, na montanha, precisamos saber o que não fazer. Caso contrário, os riscos de acidente aumentam exponencialmente. O fato é que nada é simples nessa vida. Mais dificil ainda é aceitar como ela é e como de um momento para outro a gente pode perder tudo.

Ontem li o texto primoroso do Bonolo, antes de ir trabalhar e fiquei profundamente emocionado.

Era como se eu estivesse ao seu lado , com o livro do Antonio Callado nas mãos sem poder me concentrar no pungente romance que é o Quarup, vendo tão de perto e, paradoxalmente, tão longe as montanhas que tanto amamos da Serra dos Órgãos, de Salinas e do entorno da Baia de Guanabara.

Posteriormente, já na UFRJ, perante meus alunos, compartilhei a minha revolta ao dizer que Nettinho havia estado muitas vezes naquela mesma sala de aula, quando estudante, anos atrás. A tragédia absurda que o vitimou poderia ter acontecido com qualquer um deles, que me ouviam estupefatos ao cantarolar a ‘’Canção do Novo Mundo’’, música de Beto Guedes e Ronaldo Bastos, que descreve um contexto semelhante, que foi a morte brutal de John Lennon, há um quarto de século, em Nova York: ...’’Oh, minha estrela amiga, por que você não fez a bala parar?‘’

A última vez que nos encontramos, há alguns meses, Nettinho disse que sentia muita falta das 44 excursões e dos amigos da Unicerj, mas que precisava se dedicar à sua carreira como guitarrista do conjunto Detonautas, que, por sinal, estava indo muito bem.

No futuro, quando tivesse mais tempo, pretendia aparecer no Clube e voltar a escalar conosco. E todos que não tiveram possibilidade de conviver com ele, descobririam, certamente um amigo, uma pessoa plena de bondade no coração. Infortunadamente, para todos nós, esse futuro nunca irá chegar. Fica então esse sentimento de vazio, de incognoscibilidade, como se tangenciasse o aniquilamento.

Tal qual ocorre em outros momentos de perplexidade absoluta, nós jamais iremos compreender o que aconteceu. Mas precisamos aceitar e seguir a estrada da existência.

E nesse prosseguir, talvez valha a pena refletir sobre a importância de destinarmos significativos momentos do tempo que nos resta viver, para, com lealdade e paixão, dignificarmos nossas vidas, compartilhando sonhos e realizações.

Santa Cruz


José Luiz Wanderley
(25/07/1952 – 03/06/2006)

No início de junho de 2006 perdemos nosso querido amigo José Luiz Wanderley, vítima de um aneurisma quando estava prestes a completar 54 anos

Zé Luiz, como era conhecido, foi uma pessoa muito interessante: nas reuniões sociais tinha sempre alguma pergunta para os Guias sobre vias de escalada realizadas ou a realizar. Nesses casos, iniciava a conversa com a frase “Consulta Técnica” . Depois ele anotava tudo em seu caderno. Sua morte repentina nos deixou atônitos e provocou uma chuva de comentários na lista de sócios da Unicerj na internet.

Desde os mais próximos, como o François:
“... foi um grande companheiro de montanha. Fizemos juntos o mesmo Curso Básico em 2003. Foi um dos 22 sócios inscritos para cursar a ETGE/2005, a mesma que me formei. Escalamos juntos algumas vias nesta cidade, comemorou comigo em junho de 2005, meu aniversário no Diedro Infernal. Era nossa fonte de consulta quando não encontrávamos o Santa Cruz ou outro Guia mais experiente, para tirarmos dúvidas de uma via, pois havia sempre em sua pasta croquis e informações preciosas sobre caminhadas e escaladas ...”

até os mais distantes como a Luciana Kondo que, do Japão, escreveu:
“... compartilhamos o encantamento com as primeiras escaladas, a alegria pelos primeiros cumes conquistados. Lembro com saudade do cafezinho quentinho em plena Pedra do Sino na primeira Travessia Petrópolis-Teresópolis ...”

e o Daniel Grimm que escreveu da Alemanha:
“... me lembro dele cheio de força, solidariedade e determinação para chegar ao cume. ... Me lembro tanto como ele conseguiu fazer a Carlota crescer, subir paredões difíceis para compartilhar estes momentos com ela ...”

bem como Armel Bakita, do Gabão:
“... Mesmo estando do outro lado do oceano, eu tenho acompanhado os acontecimentos e as conquistas da Unicerj. É com muita tristeza que eu recebi a notícia da partida do nosso queridíssimo Zé para outras montanhas.
Eu gostaria de apresentar à nossa querida Carlota e à toda família unicerjense meus sínceros pêsames.”


O Guia da Unicerj Luis, em sua mensagem de despedida, disse:
“... fico tranqüilo com sua partida, pois sei que agora ele fez a escalada mais importante e que conquistou o pico mais alto e mais belo que um dia todos nós também conquistaremos. Vá com Deus companheiro! ...”

Valeu, Zé, boa escalada!


Mães

Era Milton que tocava, enquanto eu esperava pelo meu amigo, no café da livraria. “Canção Amiga” se derramava pelos alto-falantes, no volume preciso. “ – Eu preparo uma canção em que minha mãe se reconheça... todas as mães se reconheçam...e que fale como dois olhos...”.

Lembrei na igreja em Laranjeiras, era uma manhã de muita chuva, metade dos bancos ocupados. Li uma epístola de São Paulo, as mãos tremendo, os olhos molhados, como se fosse para minha mãe, como se fosse para todas as mães do mundo. Você, Gilda, tinha se despedido recentemente. Uns meses depois, foi a vez da Terezinha.

Mãe não devia morrer.

Prefiro pensar que vocês, as duas, marcaram uma excursão, e foram explorar uma dimensão diferente. Mas uma dimensão também feita de montanhas, montanhas cheias de fissuras, diedros e chaminés. Montanhas cobertas de matas, matas com trilhas por abrir, trilhas que levam aos cumes, ensolarados e estrelados. Matas que guardam cachoeiras, cachoeiras que são um pedaço dos rios. Rios que são bons de banhar, cheios de poços.

Acho que vocês vão se divertir juntas.

Acho que a gente não vai nunca esquecer de vocês, do que vocês ensinaram.

Acho que estou com os olhos molhados de novo. 

Celeste

(Homenagem a Gilda Borges e Terezinha Eboli, mães dos Guias Ricardo Borges e Marcos Eboli, falecidas este ano)


Palavras que o vento não leva

Impossível não se emocionar com o que acabamos de ler. Posso mesmo dizer: são “palavras que o vento não leva”.

Pois marcam fundo em nossos corações, na medida em que espelham puros sentimentos de amor, amizade, companheirismo e, mais que tudo, fraternidade e compaixão.

Desde o início admirei a Unicerj e seus ideais, fruto dos sonhos e realizações de seus fundadores e Guias.

Sei como é difícil perder alguém muito querido, sobretudo de forma inesperada e brutal, quase inexplicável. Nesses momentos, contudo, me vêm à memória os ensinamentos e sabedoria deixados por grandes mestres e filósofos sobre a continuidade da vida e sobre a verdadeira natureza de sermos Indivíduos.

Somos indivíduos justamente porque algo de nós não morre, não se divide, está ligado à algo maior, sublime, e transcende a este mundo terreno, manifestado. Logo, continua!

Sei o quanto é difícil tomar consciência desta verdade, mas certamente ela serve de conforto, nos momentos de grande dor que experimentamos.

Jean Macedo


Quito, Ambato! Ambato, Quito!*‹‹ anterior 
|
 próxima ››Biblioteca Daniel Alvarenga

Versão para impressão: